Tenho para mim (imagino-me a dizer esta expressão sempre com a voz e o ar mais angelical do mundo) que a Natureza errou numa coisa: os seres humanos nunca deveriam nascer com o desenvolvimento cerebral igual ao de uma cenoura.
É uma crueldade imensa e que em nada contribui para convencer mulheres como eu a alguma vez embarcarem na fantasia da maternidade. E quanto mais os anos passam por mim, menos me conseguem ludibriar nisto.
Os miúdos deveriam nascer logo com uma idade mental igual, no mínimo, a um puto de 5 anos. Mínimo dos mínimos. E 5 anos daqueles bem aproveitados, com boa educação e esperteza. Mas em vez disso a Natureza resolveu ir pelo caminho mais difícil para todos: dá aos miúdos um cérebro vazio, por longooooosssss anos, mas durante a gravidez infecta as mães com o vírus do o-meu-filho-é-o-maiiiiiiiiii-lindo-do-mundo-e-eu-aguento-tudo-dele-até-ser-escrava-se-for-preciso-e-faço-as-outras-pessoas-levarem-com-ele-mesmo-que-ele-seja-um-sacana.
O nome abrevido disto é feitiço: a mulher fica enfeitiçada pelo filho, como se fosse um Deus, e mais nada à volta existe.
Só se safam desta armadilha as mulheres que, não tendo filhos, observam este fenómeno nas amigas, primas e colegas que foram mães e concluem, rapidamente, que não estão para isso.
Conheço somente nem uma mão cheia de mulheres, do universo de várias que se tornaram mães, que de certeza já tinham anti-corpos para o feitiço e conseguiram manter uma atitude racional em relação aos filhos. São essas que, por exemplo, apesar de terem uma página no Facebook só lá colocam, de tempos a tempos, uma foto da criança, são essas que conseguem ter uma conversa comigo sobre todo e qualquer assunto sem que o tema seja o filho e as coisas que o filho já faz e a consistência do cocó e são essas que se lembram, todos os dias, que também têm outra pessoa a viver com elas além do filho e que convém prestar-lhe alguma atenção: o marido / namorado. (Teresinha, Mafa e Fatinha continuem assim e não se desgracem...)
Uma mãe enfeitiçada tem características físicas facilmente reconhecidas: são mulheres que não fizeram o mínimo esforço para recuperarem a silhueta depois da gravidez mas que reclamam muito sobre isso e deitam as culpas a tudo e todos, menos elas próprias e, claro está, muito menos no filho. A culpa é sempre do tempo que nunca chega para fazer exercício físico, da comida calórica que se obrigam a comer porque estão a amamentar e convencem-se que isso é que é bom - e depois de deixarem de amamentar a desculpa é que precisam de energia para o puto.
O feitiço não deixa essas senhoras admitirem que não fazem exercício físico porque preferem estar sempre com o filho, num ritual de embevecimento e obcessão, e que não conseguem fazer uma alimentação saudável, altamente nutricional e bem mais benéfica para elas e para o puto porque se habituaram a cederem à gula durante a gravidez e agora não conseguem deixar. Mais difícil do que deixar o vício do tabaco é deixar o vício de assaltar o armário dos chocolates à noite.
O resultado físico é sempre o mesmo e passa por uma barriga igual à de uma gravidez de 5 meses - o marido / namorado perde uma mulher ao seu lado na cama mas, em contrapartida, passa a partilhar a cama com algo que se assemelha um saco de batatas.
Outra característica física típica é a completa ausência de maquilhagem naquelas que antes de serem mães perdiam vários minutos diários a maquilharem-se. Uma mãe enfeitiçada só tem olhos para o filho e como o miúdo ainda não liga nada a esses artifícios, para quê se arranjarem minimamente?
No lugar do cabelo passa a estar algo estranho, para o qual ainda ninguém arranjou nome, mas que está mais próximo de ser uma espécie de vassoura. Temos então barriga igual aos 5 meses de gravidez, cara esquálida e pálida com olheiras a fazerem lembrar a graxa que os militares põem na cara para se camuflarem, e uma vassoura na cabeça: numa só palavra, uma mulher enfeitiçada pelo filho transforma-se num espantalho. Os espantalhos servem para espantar os corvos no campo mas, no seio de uma família, o único corvo a ser espantado é o marido / namorado lá em casa.
E quanto às características psicológicas de uma mãe enfeitiçada? Essas são tão fáceis de identificar quanto as físicas. Estas mulheres não conseguem pensar em mais nada a não ser no filho. Sabe-se isto indirectamente, através do discurso que estas mães apresentam: como só sabem falar do filho facilmente se percebe que só falam do filho porque também essa é a única coisa em que pensam.
Estas mães são capazes de passar horas inteiras a despejar nos outros tudo sobre o que o que o filho faz, das horas a que dorme, das horas a que acorda, do xixi e do cocó, das vezes que sorri, das vezes que chora, das coisas que faz que já são muiiiiiiiiito à frente para a sua idade ("ai ele é tão desenvolvidooooo!!"), das coisas que come, das coisas que não come, das doenças que teve, das que ainda não teve, dos colegas do berçário / infantário, das educadoras de infância, dos pediatras que conhece, das clínicas / hospitais onde já foi com ele.
Mais grave ainda, é capaz de despejar tudo isto num monólogo de horas em cima de uma pessoa quando essa pessoa só perguntou, muito inocentemente e exclusivamente por cortesia (porque na realidade se está a marimbar para a resposta) se a criança gosta de determinada coisa.
Ora a vida social de um espantalho obcecado por uma criança resume-se também a uma única coisa: a ida às festas de aniversário dos amiguinhos do filho. Mais nada. Mesmo, mais nada.
O cérebro destas mulheres sofreu um hard reset e elas não se lembram mais que existem outros eventos sociais na vida como jantar fora com os seus próprios amigos ou marido / namorado, ir ao cinema, ir ao teatro, ir a um concerto, ir a um simples café.
Da mesma forma, a última vez que estes espantalhos se sentaram confortavelmente num sofá para apreciar o último livro best seller foi quando ainda sabiam ler literatura para adultos.
O feitiço tornou-as analfabetas funcionais e, por isso, só conseguem ler coisas muito básicas e simples como os livros infantis do tipo "Tartaruguinha" ou "Caracolinhos Dourados e os Três Ursos". Nem é preciso referir que o mesmo se passa nos filmes que se vêem em casa pois desde que se tornaram espantalhos, os únicos DVDs autorizados e homologados por elas são os infantis e idem idem quanto à música: a playlist do carro é o CD das "Histórias da Xana Toc Toc na Quinta".
A minha veia de vidente permite-se saber como vai ser a vida destas senhoras daqui a 25 anos e não tenho boas notícias.
Daqui a 25 anos, quando o filho sair de casa para ir para a Casa dos Segredos (na sua trigésima edição e onde a Teresa Guilherme já foi substituída pela Luciana Abreu), estas senhoras vão olhar-se ao espelho e ver que a vassoura na cabeça foi substituída por um grande par de cornos que cresceu desmesuradamente ao longo dos anos. E para perceberem de onde esses cornos vieram, vão olhar para o lado e vão lembrar que foram deixadas sózinhas em casa com um perfeito estranho que foi quem lhes deu essa bela parelha (se ele ainda estiver vivo e não lhe tiver dado o chuto no cú entretanto): o pai da criança. Da criança que já não é mais criança e que saiu de casa para ser famoso.
Como dizia a outra "Que biolência"...
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