sábado, 23 de agosto de 2014

Mostra-me o teu feed de notícias do Facebook e eu dir-te-ei quem és

O meu feed de notícias do Facebook já não é o que era quando abri lá conta mesmo no iniciozinho de 2009. Se nessa altura o meu feed era constituído quase em exclusivo por posts das borgas, noitadas e festas dos amigos, hoje em dia ele é populado quase em exclusivo por fotos de grávidas, ecografias, fotos de recém-nascidos e bebés dos amigos. Do lado positivo, vou tendo ainda os posts interessantes que são publicados pelas páginas que sigo voluntariamente.

Há duas noites atrás tive então um momento de revelação, ao estilo dos Pastorinhos durante as  Aparições de Fátima - mas sem aquele inconveniente de ter uma mulher a aparecer-me pendurada numa árvore, no meio de um clarão ainda pior que holofotes de estádio de futebol - e percebi o que causou esta mudança: de 2009 até agora mudei de faixa etária. Assumindo que a maioria dos meus amigos no Facebook está na mesma faixa etária que eu, o meu feed de notícias atira-me então à cara aquilo que é normal acontecer na minha faixa etária.

Isto significa que na eventualidade de qualquer um de nós entrar, um dia, num coma prolongado e acordar passado uns meses sem saber quem é e que idade tem, num quarto de hospital só com equipamentos médicos e um smartphone - estou a descrever uma situação perfeitamente banal, especialmente a parte do smartphone no quarto de hospital - poderá facilmente perceber a sua faixa etária se utilizar o dito smartphone para entrar no seu Facebook e passar 2 minutos a ver os posts que aparecem no feed de notícias. Sim, porque qualquer um que entre em coma durante meses pode não saber o seu nome, mas lembrar-se-á certamente do seu e-mail e da password do Facebook. Um dia ainda vamos ler um livro publicado pelo Schumacher a falar nisto.

Sabemos que estamos na faixa etária dos 14 aos 17 anos quando o feed de notícias mostra-nos em exclusivo posts de páginas de aktores onde fixemos like e posts da página dos linduxos One Direction. Exes posts aparexem repetidux pk há amigux noxos que faxem share delex e inda excrevem em caps o kuantu FOI BUÉ FIXE O KONXERTO DELES LOL <3 <3 <3 :D

As selfies dos nossos amigos abundam: selfie ao chegar à praia, selfie na praia depois de vir do banho, selfie na praia depois de secar, selfie na praia com a bola de berlim, selfie na praia ao pôr-do-sol, selfie depois de ter ido ao mar novamente para fazer xixi, selfies da mesma expressão facial mas cada uma tirada de ângulos diferentes. Nesta faixa etária, o nosso Facebook transforma-se, li-te-ral-men-te, num face book mas todos já pensámos, se formos rapazes, o quão espectacular seria se a seguir às selfies começasse a moda das boobies.

Sabemos que estamos na faixa etária dos 18 aos 23 anos quando somos inundados de fotos do primeiro carro que os nossos amigos recém-encartados receberam dos pais, de selfies tiradas ao volante do carro e de fotos das festas académicas. 

As mudanças das fotografias de perfil e da capa surgem ao mesmo ritmo que as contaminações por Ébola e nessas novas fotos passa a estar o namorado ou namorada dos nossos amigos. 

Tal como o Ébola evolui, também os estados de relacionamentos dos nossos amigos evoluem à mesma velocidade: sabemos que estão a namorar quando publicam que estão numa relação, sabemos que houve briga quando mudam o estado para "é complicado", sabemos que fizeram as pazes quando o estado de relacionamento volta a ser "numa relação", sabemos que a coisa está para rebentar quando volta ao "é complicado" e ficamos à espera da venda de bilhetes para assistir ao banho de sangue quando finalmente mudam para "solteiro", voltam a colocar a foto de perfil e da capa onde aparecem sózinhos e a última pessoa a ver isto tudo, depois de todos os outros já terem visto e comentado, é o (recentíssimo ex) namorado/a dos nossos amigos. 

Quem precisa de assistir às novelas da TVI quando tem drama e intriga diárias no Facebook nesta faixa etária?

Sabemos que estamos na faixa etária dos 24 aos 29 anos quando os nossos amigos, que já estão a trabalhar e com independência financeira, começam a viver la vida loca e de 2ª feira a 6ª feira publicam pouca coisa mas ao fim-de-semana publicam álbuns inteiros das noites de copofonia. Cada saída a uma discoteca tem direito a um álbum dedicado e nesse álbum podemos acompanhar, cronologicamente, o ciclo de vida de uma saída à noite. 

Vemos as primeiras fotos do início da noite, com os amigos a aparecerem muito bem compostos e alinhadinhos uns ao lado dos outros, maquilhagem impecável, as t-shirts vestidas e todas as fotos tiradas de um ângulo clássico (normalmente de frente). 

Depois aparecem as fotos do auge da noite: a maquilhagem transformada em borrão, a t-shirt desaparecida em combate mas prontamente substituída por uma peça de vestuário nova - o copo de bebida na mão; os amigos que antes apareciam todos direitinhos e alinhadinhos agoram aparecem pendurados uns nos outros pelo pescoço e todas as fotos são tiradas dos ângulos mais estranhos.

As fotos do final da noite nunca aparecem porque é algo que não existe, por definição: a essa hora não restou ninguém com coordenação motora suficiente para abrir a app da câmara no telemóvel.

Para além dos álbuns dedicados às noitadas, os nossos feeds são também assolados por publicações de status passivo-agressivos dos nossos amigos, que utilizam o Facebook para mandarem indirectas e recados a alguém, do estilo "se as putas fossem flores, a Terra seria um jardim". Como temos saudades do drama e intriga que antes existia, vamos espreitar os comentários só para ver se o barrete serviu a alguém.

Sabemos que estamos na faixa dos 30 aos 32 anos quando só vemos publicações de estados de relacionamento a mudarem para "noivo de" e depois a evoluírem para "casado com" e fotos dos casamentos dos nossos amigos e dos casamentos dos amigos dos nossos amigos e dos casamentos onde os nossos amigos vão e das luas-de-mel dos nossos amigos. É como ter um streaming em directo no nosso computador para todas as igrejas do país.

Sabemos que estamos na faixa dos 33 aos 40 anos quando o nosso feed de notícias explode num baby-boom de proporções épicas. Começa nas fotos de ecografias e evolui para as fotos das grávidas onde podemos acompanhar o inchamento das nossas amigas até chegarem a um ponto de quase rebentamento. Logo de seguida passam a surgir as fotos dos filhos já nascidos publicadas pelos amigos a um ritmo quase diário e os likes que os nossos amigos fazem a blogs sobre bebés e crianças. A boa notícia é: não há boas notícias. A má notícia é que vamos continuar a levar com as fotos dos filhos dos nossos amigos diariamente durante os primeiros 10 anos de vida de cada puto.

Apercebemo-nos também que os nossos amigos aprenderam mais alguma coisa sobre as definições de privacidade do Facebook quando sabemos que se divorciaram e, ao verificar o estado de relacionamento no perfil deles, vemos que foi mudado novamente para "solteiro" sem nunca ter aparecido no feed de notícias. Por esta altura continuamos a gostar de drama e intriga desde que não seja à nossa custa.

Sabemos que estamos na faixa dos 41 aos 45 anos quando, no caso de termos filhos, o nosso Facebook já não é nosso mas sim deles. Como não podem ter conta no Facebook, usam a nossa para melgar os nossos amigos com convites para jogar o Candy Crush.

No caso de não termos filhos, o nosso Facebook transforma-se numa torrente de convites para jogar o Candy Crush. De qualquer forma, quando não temos filhos já raramente vamos ao Facebook a não ser para publicar umas fotos dos cães ou das fantásticas férias a sítios paradisíacos que fazemos regularmente. E também lá vamos para ver os posts do Mashable.

Sabemos que estamos na faixa dos 46 aos 59 anos quando o nosso feed de notícias é ocupado exclusivamente por posts dos nossos filhos (que já têm conta no Facebook com a condição de ser monitorizada por nós) e dos amigos dos nossos filhos a quem também pedimos amizade para controlar as companhias. O nosso Facebook passou a ser uma ferramenta ao nível dos sistemas mais avançados de espionagem da NSA. 

Significa também que passamos a ver o mesmo feed que a faixa etária dos 14 aos 17 anos e dos 18 aos 23 anos, o que pode induzir-nos em erro se nos encontrarmos na tal situação em que acordamos de um coma de meses sem sabermos quem somos.

Se não temos filhos continuamos a ir raramente ao Facebook a não ser para publicar umas fotos dos cães ou das fantásticas férias a sítios paradisíacos que fazemos regularmente. E ainda para seguir os posts do Mashable.

Sabemos que estamos na faixa dos 60 anos para cima quando os nossos amigos começam a mudar a foto de perfil do Facebook para uma foto de quando tinham 25 anos de idade. Inicia-se outro baby-boom, desta vez dos netos dos amigos, à mistura com posts mais mórbidos onde os nossos amigos anunciam as maleitas que andam a combater e os falecimentos de familiares. Ocasionalmente vemos posts a anunciar o falecimento dos nossos próprios amigos e começamos a imaginar como será quando formos nós. Logo a seguir fechamos o Facebook e abrimos as páginas dos jornais online onde passamos as próximas duas horas a comentar ferozmente as notícias relacionadas com cortes nas pensões de reforma.

Aliás, o tópico referente aos comentários que pululam pelos sites de jormais online dava para um post inteiro dedicado ao tema. A minha opinião é que estes sites deveriam mudar de nome para fight club online devido às verdadeiras batalhas que por lá se travam nas secções de comentários.


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