segunda-feira, 3 de novembro de 2014

A minha adolescência nos anos 90 - os posters, as cassetes e as casas de banho públicas dos homens

Tendo nascido nos inícios dos anos 80 significa que a minha adolescência foi vivida em plenos anos 90. E o que significou ser uma adolescente nos anos 90?

Nessa altura, quando eu gostava mesmo muito de uma banda ou de um actor, eu forrava uma parede do meu quarto com os posters do ídolo que saíam na Bravo ou na Ragazza - eram uma espécie de calendário Pirelli, acrescido de várias secções de fofocas, para adolescentes. Aliás, lembro-me que o meu irmão e um primo meu, que morava connosco nessa altura, forraram a cave da casa dos meus pais (transformada em batcave de adolescentes nessa altura) com posters da Kylie Minogue, da Madonna e da Samantha Fox.
Os posters da Samantha Fox eram os mais populares naquela época e havia duas fortes razões para isso: a mama esquerda e a mama direita da cantora. Curiosamente, a Kylie Minogue e a Madonna ainda cá andam e as mamas da Samantha Fox nem por isso.

Naquele tempo ninguém via mal nenhum em existirem revistas que distribuíam posters de uma adolescente de 16 anos a vestir uma t-shirt branca molhada sem soutien - os rapazes adolescentes ficavam satisfeitos por usá-los para forrar a parede do quarto e o pai de cada adolescente também.

Hoje em dia, um adolescente que queira mostrar o seu apreço por uma estrela faz like na página do Facebook dessa figura pública e em todos os posts que sejam lá publicados. Forrar paredes de quartos com posters de estrelas adolescentes de 16 anos que não conhecemos, em lingerie, é uma actividade reservada, hoje em dia, aos serial killers, aos stalkers e ao Tomás Taveira.

Até cerca de 1997 os telemóveis eram raros e muito caros e isso tornava o planeamento do nosso dia-a-dia muito diferente daquilo que é hoje.
Tudo tinha que estar bem combinado antes de eu e os meus amigos sairmos de casa para nos encontrarmos nalgum sítio. Uma ida ao cinema, incluindo o ponto de encontro e a sessão, era algo planeado com uma semana de antecedência e era socialmente aceite haver 1 hora de tolerância para os atrasos. O cinema era um ponto central no nosso esquema de engates - era a única oportunidade que os rapazes tinham de estarem duas horas dentro de uma sala fechada e às escuras, ao lado da rapariga de quem gostavam....com mais 100 pessoas à volta, mas isso era um constrangimento menor que não lhes impedia que as mãos navegassem pelo assento ao lado.

Quando eu tinha eu uns 14 ou 15 anos, o meu irmão (mais velho) levou-me com ele para ir à Queima das Fitas do Porto, que naquela altura era nos jardins do Palácio de Cristal - que no final da semana da Queima se passavam a chamar aterros sanitários do Palácio de Cristal.

Perdi-me do meu irmão nessa noite e tive que me armar em Indiana Jones em busca da Arca Perdida. Depois de dar uma volta inteira ao recinto não tive outra alternativa senão ir procurá-lo ao único sítio onde ainda não tinha ido - a casa de banho pública dos homens. Naquela época ainda não usavam contentores portáteis como casa de banho.
A fila para a casa de banho das mulheres era sempre enorme, no entanto intrigava-me porque é que nunca havia fila para a casa de banho dos homens. Se os telemóveis já existissem naquela altura eu nunca me teria perdido do meu irmão durante tanto tempo, mas também nunca teria descoberto as razões deste mistério. E o que descobri foi: em primeiro lugar, existiam canteiros e árvores suficientes à volta da casa de banho para o mesmo efeito. Em segundo lugar, os poucos homens que entravam na casa de banho faziam questão de irem aos pares para as cabines com sanitas e assim não se juntavam bichas filas à porta. 
Moral da história: o meu irmão era daqueles que preferia contar com as árvores e os canteiros para fazer xixi, em vez de pedir ajuda aos amigos, porque não o encontrei ali.

No campo da música, os discos de vinil já estavam em desuso cedendo o lugar aos CDs. Quando eu queria fazer uma compilação das músicas que mais gostava já sabia que tinha que passar horas a gravá-las numa cassete. Gravar 60 minutos de música numa cassete significava que eu iria demorar pelo menos 80 minutos a gravá-la: eram os 60 minutos em que tinha que passar a música toda para a gravar, somando a isto o tempo que demorava para mudar o CD entre cada música gravada.

Mais arriscado - perigoso até - era quando eu queria fazer uma compilação dos hits do momento sem querer gastar dinheiro a comprar os CDs dos artistas. Para tal, tinha que passar uma tarde inteira com uma cassete dentro do gravador, com o botão do REC, do Play e do Pause pressionados, e ficar à espera que a rádio passasse as músicas que eu queria gravar. Quem foi adolescente nos anos 90 sabe que ter o botão do REC, do Play e do Pause pressionados era uma forma ardilosa de não depender da precisão que era necessária para carregar no Rec e no Play ao mesmo tempo sempre que se queria pôr a gravar uma cassete- ambos já estavam carregados e bastava usar o Pause para parar ou iniciar a gravação.

Eu digo que isto de gravar músicas da rádio era perigoso porque quando a rádio começava a passar a música que eu queria gravar, muitas vezes calhava eu estar no canto oposto da sala onde tinha a aparelhagem e isso obrigava-me a iniciar uma corrida desenfreada, estilo 100m barreiras, por cima do sofá, da mesa e da televisão com naperon que se encontravam entre mim e o botão do Pause que eu tinha que desligar para poder gravar a música desde quase o início - os 3 segundos de inicio que faltavam na gravação foram os 3 segundos que demorei a esmurrar-me toda contra a mobília até chegar ao gravador. Ainda hoje, quando ouço na M80 o "Sweet (A la la la la long)" dos Inner Circle me lembro com carinho do dia em que me espetei de focinheira contra uma coluna de CDs na sala mal ouvi aquele "I've been watching you" repentino com que a música começa.

Mas isto não era o pior que me podia acontecer. Havia duas coisas piores do que fazer parkour dentro de casa e quase partir os dentes até chegar ao gravador, e não sei qual delas mais me fazia ficar a definhar de raiva ao ponto de me espumar pela boca: uma era a cassete acabar antes da música estar toda gravada. A outra era quando o locutor resolvia começar a falar durante os primeiros segundos da música pela qual eu estive mais de 4 horas à espera que passasse para a gravar. Um locutor que começasse a falar merda para encher chouriços enquanto tocava aquele início maravilhoso da November Rain era um gajo que merecia ser enfiado, em catadupa, em várias cabines de casas de banho públicas de homens.

Aqui está a minha adolescência nos anos 90. Naquela época gastávamos horas a colar posters na parede, podíamos perder uma noite inteira à procura de alguém, demorávamos dias para combinar um programa bem planeado e passávamos tardes e tardes em casa para termos uma cassete gravada com as nossas músicas favoritas e, no entanto, tínhamos tempo para tudo.

Hoje em dia demoramos menos de um segundo para mostrar apreço no Facebook pelos nossos ídolos, o telemóvel leva-nos ao encontro de alguém em menos de 2 minutos, combinamos e organizamos a festa do ano de véspera e em menos de 5 minutos temos uma playlist de 20 horas pronta a tocar no iTunes e no telemóvel. No entanto, reclamamos todos os dias que não temos tempo para nada.


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